Sentimento Deserdado


Frequentemente me deparo com um sentimento que não sei o nome. Ele sempre vem depois de uma

enorme euforia e antes uma profunda tristeza. É um sentimento totalmente insaciável, sem dúvidas, um dos mais difíceis de lidar. Tenho uma ânsia incontrolável em encontrar outros pensamentos que simpatizam com os meus, de encontrar as pessoas certas pra errar novamente, de fazer alguém interessante virar um completo avesso do que sou. Sim, consigo transformar as pessoas de vinho para água, não o contrário. Tenho a capacidade absurda de equilibrar o oco que tenho com a imensidão do universo e me mostrar o quão profunda pode ser minha experiência de não ser nada, não ter nada. Transformo um bem querer em algo que nem tem nome, porque simplesmente é. Alguém que está ali, que fico observando como uma menina fica olhando para uma boneca na loja, desejando, mas sabendo que não tem dinheiro pra comprar, que essa boneca não vai pertencê-la, mesmo que você já teve, algum dia, condições de comprá-la. Do mesmo jeito que eu consigo fazer com que o mais distante sentimento de alguém torne-se o mais próximo de mim possível, faço o contrário, com muito mais rapidez. Distancio sem querer distanciar, mas não querendo proximidade maior. Existe um espaço muito, muito pequeno entre o meu bem querer e o meu não querer mais ver pela frente. E eu estou sempre na corda bamba. Estou sempre buscando mais e mais e, no fim, nada me contenta, sempre acabo deslizando para o lado do limbo desse muro sob a corda bamba. Meus sentimentos não se fazem claros ou se fazem tanto, que chega a cegar quem se aproxima e, naturalmente, se distancia.
Não sei como consegui desenvolver esse sentimento sem família. Não compreendo sua origem, uma vez que, naturalmente, todos nós ansiamos pelo melhor, e eu acabo sempre tendo o pior de mim e dos que próximos estão. Bom seria se eu tivesse a chance de ser quem meus pensamentos planejam; quem eu sonho e quero botar em ação quando acordo, mas acabo sendo quem eu não queria. Sequer sei dizer se sou eu mesma ou se é outra projeção do meu inconsciente tentando me sabotar a todo custo. Mas é. E isso que sinto simplesmente me faz odiar minhas atitudes, minhas experiências e quem eu sou quando não sou o que planejo. Pois, se quem planeja tem a fineza de idealizar algo bom, porque algo ruim acontece no lugar? Significa que quem planejou não foi competente ou é o que aconteceu no lugar do plano perfeito?
De qualquer forma, acontece. Acontece pois deveria acontecer; acontece, pois eu não tive a decência de ser quem eu planejei. Aconteceu, e o sentimento deserdado vem em seguida, questionando tudo que sei, ou pensei que soubesse, devastando meus pensamentos com amarguras e recordações tristes, mas ao mesmo tempo trazendo um ar de concordância e conformismo, dizendo lá, na minha cabeça, que "Eu já sabia que isso aconteceria". E sabia.

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