Ilusória

Ela era uma garota esperta na infância. É tudo que consegue lembrar da época, das coisas boas que sua esperteza trazia. Das boas notas da escola, da culpa do vidro quebrado que não era sua, das amizades que vinham pelo seu lanche no saquinho de ursinho. Lembra bem das vezes que teve que conter seu choro, e das várias vezes que, quando pequena, não conseguia disfarçar sua tristeza por ouvir tantas palavras feias de tantas crianças ignorantes e mal educadas. Não aguentava ouvir da família o quanto precisava emagrecer antes de crescer, porque ficaria muito gorda ou porque, se emagrecesse mais velha, ficaria em peles. Era difícil aceitar que as roupas das crianças normais não serviam, e que tinha que usar roupas usadas da irmã mais velha. Sempre se sentiu com uma grande necessidade de ser muito inteligente e engraçada. Sentiu muita vontade de ser a pessoa que queria ser. De certa forma cresceu sendo a pessoa que queria ser, por que sempre fez o que quis, dentro das limitações que tinha. Mas houve um tempo em que não teve mais forças. Houve o tempo em que suas necessidades sentimentais foram sendo expostas sem retorno. Teve que por para fora todos os seus medos e suas culpas, suas decepções e suas lutas, com pânico sem controle e devastador. Uma sanidade distante do conhecimento da maioria das pessoas. Um estado de consciência plena que a fez enxergar todas as realidades a sua volta. Foi possível enxergar tudo aquilo que a fazia temer a vida e a morte; construiu pontes e muros, montou sua fortaleza na abstinência na vida, com fome de viver algo que não sabia o nome. Ansiedade que não se conhece facilmente. Tortura psicológica e automutilação sentimental. Procurando por sentimentos que gostaria de sentir, fantasiava, sentia, experimentava e lamentava sua falta. Sua ilusão da realidade sempre pareceu mais agradável e sensata. Ao mesmo tempo, sentia sempre que estava na ilusão de algo que não tinha, ilusão essa que trouxe sentimentos de abandono, tristeza, solidão, doença. Descobriu que a doença podia ser um escape para a compreensão alheia. Descobriu como encarar sua doença ilusória e sua doença real. Soube como reagir diante de fatos que existiam e daquele que ela mesma criava. Aprendeu a reviver dores e desamores, culpas e temores, e aprendeu que tudo isso é necessário e que, às vezes, é saudável, mesmo que não pareça. Agiu e, para evoluir, luta contra seus próprios medos dentro do universo assustador e misterioso da sua mente. Luta para entender como tudo isso pode ser criado e desfeito, como um poder ou magia que um aprendiz manipula e estuda até dominar. Afinal, toda dor é necessária para compreender a felicidade.

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